Caixa e o impasse da nova plataforma de apostas: Lula deve decidir futuro do projeto após alerta do TCU
Dona de dez modalidades de sorteios além da tradicional Loteria Federal, criada em 1962 a Caixa Econômica Federal enfrenta uma semana decisiva. Após retornar de Belém (PA), a equipe do banco tem encontro marcado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para explicar o projeto de lançar sua própria plataforma de apostas online, prevista para ainda este mês. Segundo a Coluna JC Negócios, do Jornal do Commercio de Pernambuco, Lula é contra a iniciativa, e a conversa com o presidente da Caixa, Carlos Vieira, deve ser dura.
O plano original da instituição era colocar a plataforma no ar em 2025 para iniciar a operação completa em 2026. Mas o projeto encontra resistências dentro do governo, especialmente depois de um alerta do Tribunal de Contas da União (TCU).
Alerta do TCU: beneficiários do Bolsa Família enviaram R$ 3,7 bilhões a bets
O TCU identificou que, somente em janeiro de 2025, integrantes de famílias com algum beneficiário do Bolsa Família transferiram R$ 3,7 bilhões para casas de apostas o equivalente a 27% dos R$ 13,7 bilhões distribuídos pelo programa naquele mês. A revelação ampliou o desconforto dentro de diversos ministérios em relação à entrada da Caixa no setor, apesar de o banco já atuar oficialmente em loterias.
Um negócio bilionário e oficial
O setor de jogos é altamente lucrativo para a Caixa. Em 2024, a instituição:
- Arrecadou R$ 25,9 bilhões,
- Pagou R$ 8,8 bilhões em prêmios,
- Repassou R$ 12,1 bilhões a políticas públicas,
- E só a Mega-Sena, responsável por 44,2% das receitas, movimentou R$ 115,8 bilhões.
O projeto da nova bet, desenvolvido com a gigante internacional Playtech, mira R$ 2,5 bilhões de arrecadação em 2026, trazendo o maior banco público do país para um mercado que cresce rapidamente mas ainda enfrenta desafios regulatórios e riscos de fiscalização.
Debate ético e risco à reputação
A proposta acendeu um debate sensível: deve um banco público, responsável por programas sociais, entrar no setor de apostas online?
Especialistas apontam para riscos de:
- Conflito de interesses,
- Exposição da Caixa a críticas sobre incentivo ao vício,
- Fragilização da governança,
- Impacto no consumo doméstico.
O Idec criticou duramente a iniciativa, afirmando que a Caixa símbolo da presença social do Estado estaria se igualando a empresas que “lucram com o vício, a ilusão e o endividamento”.
A CNC apresentou estudo mostrando que os brasileiros destinaram R$ 68 bilhões às bets em 2024, o que reduziu consumo em outros setores e representou perda de R$ 5 bilhões em arrecadação fiscal.
Mercado em expansão e ainda nebuloso
Apesar da polêmica, o setor de apostas vive auge no Brasil:
- Em agosto, as bets legais tiveram o maior número de acessos da história: 2,21 bilhões.
- No 1º semestre, as plataformas de aposta de quota fixa faturaram R$ 17,4 bilhões, já descontados os prêmios.
- O Congresso discute o PL 5.473/2025, de Renan Calheiros, que propõe dobrar a taxação e pode render até R$ 18 bilhões entre 2026 e 2028.
Há ainda o problema das casas que operam com autorizações judiciais, fora da licença federal um terreno cinzento para a fiscalização.
A Caixa argumenta que seguiu estritamente a Lei 14.790/2023, que define que apostas de quota fixa são modalidade lotérica, e que todas as exigências da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) foram cumpridas.
Mas há um ponto crítico: a Caixa é também responsável pelo pagamento do Bolsa Família e do BPC, o que gera questionamentos éticos sobre incentivar um mercado que atinge justamente esse público.
O comunicado recente do TCU, apontando “elevado risco” de fraudes envolvendo contas de famílias do CadÚnico, fortaleceu a ala do governo contrária à bet da Caixa.
Desde este mês, apostadores precisam informar o CPF, e as operadoras devem consultar o sistema SIGAP para verificar se o usuário recebe Bolsa Família ou BPC. Caso conste, a aposta é proibida embora ainda não se saiba se isso está funcionando plenamente ou se há uso de CPFs de terceiros.
Diante desse cenário, Lula e Carlos Vieira devem bater o martelo nos próximos dias.
O presidente, contrário ao projeto, terá em mãos argumentos técnicos, éticos, políticos e econômicos e a missão de decidir se a Caixa realmente deve entrar no universo das bets ou recuar para preservar sua imagem institucional.



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