Setor de apostas propõe cooperação ao governo para identificar fraudes e evitar restrições ao Bolsa Família
Associações sugerem monitoramento financeiro detalhado como alternativa à proibição total de apostas por beneficiários de programas sociais
As principais entidades do setor de apostas enviaram ao Ministério da Fazenda uma proposta de cooperação para monitorar movimentações financeiras suspeitas e ajudar a identificar fraudes relacionadas ao Bolsa Família. O documento, apresentado nesta quinta-feira (20), busca criar um sistema mais eficiente de controle e, ao mesmo tempo, evitar a proibição total de apostas para beneficiários de programas sociais.
O ofício foi encaminhado ao Secretário de Prêmios e Apostas, Regis Dudena, com cópias para o ministro Wellington Dias, para o presidente do Conselho de Atividades Financeiras, Ricardo Saadi, e para o ministro do Tribunal de Contas da União, Jhonatan de Jesus. As associações ANJL, AIGAMING, ABC-Bet e ABRAJOGO defendem a criação de um Termo de Cooperação Técnica para padronizar procedimentos capazes de identificar movimentações incompatíveis com a renda declarada por apostadores e possíveis usos indevidos de CPFs em apostas.
A proposta surge como resposta às recentes normas que restringem a participação de beneficiários de programas sociais, entre elas a Portaria SPA/MF nº 2.217/2025 e a Instrução Normativa SPA/MF nº 22/2025, que tiveram vigência adiada para 30 de novembro. As medidas foram elaboradas em atendimento ao Acórdão nº 2528/2025, aprovado em 29 de outubro pelo TCU, que apontou indícios relevantes de irregularidades envolvendo contas de beneficiários.
Entre as determinações do Tribunal está o desenvolvimento de um plano de ação para identificar inclusões indevidas no Bolsa Família e casos de uso de CPFs de terceiros para práticas ilícitas, como apostas fraudulentas ou possíveis esquemas de lavagem de dinheiro.
O TCU destacou que uma parcela muito pequena das famílias apostadoras — cerca de 4,4% — concentrou 80% de todos os valores transferidos para casas de apostas. O dado levantou suspeitas e reforçou alertas já feitos pelo Banco Central na Nota Técnica 513/2024, que apontou transações incompatíveis com critérios de renda.
As entidades afirmam que as operadoras autorizadas podem colaborar diretamente com os órgãos de controle, conforme determinam a Lei Federal 14.790/2023 e as Portarias da Secretaria de Prêmios e Apostas, que já preveem mecanismos de monitoramento e análise de perfil dos apostadores.
Em vez de impedir completamente o acesso de beneficiários às plataformas, as associações propõem um sistema de monitoramento especial semelhante ao aplicado às Pessoas Politicamente Expostas. Elas argumentam que a Portaria 2.217/2025 extrapola decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, que proibiram apenas o uso direto de recursos de programas sociais em apostas, e não a participação dos beneficiários como um todo.
Segundo as entidades, o marco regulatório do setor foi criado com foco em prevenção, proporcionalidade de riscos e cooperação entre operadoras e autoridades princípios que, segundo elas, devem ser preservados.
As associações também destacam que tanto a renda mínima quanto o lazer são direitos sociais previstos na Constituição, e que programas de transferência de renda têm o objetivo de ampliar autonomia, não restringi-la.
Dados analisados pelo TCU mostram que, somente em janeiro de 2025, R$ 3,7 bilhões foram transferidos de contas de beneficiários do Bolsa Família para casas de apostas aproximadamente 27% de todo o valor pago pelo programa no mês.
O ministro Jhonatan de Jesus, relator do processo no TCU, destacou que não é possível afirmar que todo esse dinheiro veio exclusivamente dos repasses do Bolsa Família, já que 83,93% dos beneficiários declaram outras fontes de renda. Mesmo assim, o levantamento mostra que 21,9% das famílias beneficiárias tiveram contato com apostas no período, o que acendeu um alerta sobre o impacto no orçamento das famílias mais vulneráveis.
Outro ponto levantado pelas associações é o risco de migração para sites clandestinos. Pesquisa da ANJL indica que 45% dos beneficiários pretendem recorrer ao mercado ilegal caso a proibição total venha a ser mantida.
Como solução, o setor sugere a criação de um Grupo de Trabalho para elaborar relatórios padronizados que serão enviados às autoridades. Esses documentos reuniriam informações sobre movimentações atípicas ou suspeitas, permitindo que Coaf, Receita Federal e Ministério Público Federal investiguem eventuais fraudes.
A proposta foi assinada em conjunto pelas associações ANJL, AIGAMING, ABC-Bet e ABRAJOGO, que defendem uma atuação colaborativa para garantir transparência, segurança e equilíbrio regulatório no setor de apostas.
A discussão sobre apostas e programas sociais continua a ganhar força, e a proposta do setor abre um novo capítulo nesse debate. Resta saber se o governo aceitará seguir por um caminho de cooperação técnica em vez de restrições totais um tema que certamente ainda vai gerar muitos desdobramentos e conversas.



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