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Senado avança em novas taxações sobre bets e setor reage com alerta de insegurança jurídica

CAE aprova alta da carga de 12% para 18%, enquanto proposta na CCJ cria CIDE de 15% sobre transferências de apostadores; especialistas dizem que medidas podem impulsionar mercado ilegal

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou, na terça-feira (2), um projeto que eleva de 12% para 18% a tributação total sobre a renda das empresas de apostas esportivas. Menos de 24 horas depois, na quarta-feira (3), o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou uma nova proposta que institui uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE-Bets) de 15% sobre as transferências feitas por pessoas físicas às plataformas, matéria que agora tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

A CIDE-Bets seguirá o modelo de cálculo “por dentro”, em que a alíquota incide sobre o valor total transferido pelo apostador, já considerando o próprio imposto. A arrecadação será feita por retenção na fonte, realizada pelas instituições financeiras no momento da transferência dos recursos.

Segundo Alessandro Vieira, a intenção é direcionar os valores para o financiamento do combate ao crime organizado. De acordo com dados do Banco Central, a CIDE-Bets pode gerar cerca de R$ 30 bilhões por ano, que seriam destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), descontados apenas os custos operacionais de arrecadação.

O aumento da tributação aprovado na CAE, no entanto, não entrará em vigor de forma plena imediatamente. Está prevista uma transição entre 2026 e 2027, quando a alíquota passará para 15%, até alcançar os 18% a partir de 2028. A ideia inicial do relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), era dobrar a carga tributária para 24%, mas houve recuo na versão final apresentada na semana anterior.

A rápida sequência de propostas despertou reação do setor de apostas esportivas. Representantes das empresas apontam insegurança jurídica, especialmente por o movimento ocorrer menos de um ano após a regulamentação do mercado no Brasil. Para eles, a instabilidade nas regras pode afastar investidores e abrir espaço para plataformas clandestinas.

Bernardo Cavalcanti Freire, consultor jurídico da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) e sócio de um escritório especializado no setor, afirma que a nova proposta aprofunda o risco de crescimento da ilegalidade. “Em menos de um dia após a aprovação do aumento de impostos, surge uma nova taxação. Isso prejudica o mercado legal, que paga tributos, gera empregos e investe no esporte, e favorece o mercado ilegal, que traz diversos malefícios ao país”, declarou.

Dados recentes reforçam a preocupação. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, realizada em junho, indica que 61% dos apostadores brasileiros utilizaram, ao menos uma vez em 2025, plataformas não licenciadas. O estudo mostra ainda que pessoas de classes mais baixas e com menor escolaridade são as mais impactadas pelo ambiente ilegal.

Bernardo cita a experiência internacional para ilustrar o risco. Segundo ele, medidas semelhantes em outros países produziram efeito inverso. “Nenhum país executou essa cobrança sobre depósitos com sucesso. Na Colômbia, por exemplo, houve queda de cerca de 50% nos depósitos quando adotaram algo parecido. Quando o consumidor percebe que paga para depositar, migra automaticamente para operadores clandestinos”, afirmou.

Um estudo da LCA Consultores aponta que atualmente entre 41% e 51% do mercado brasileiro de apostas opera de forma ilícita. Apenas no segundo trimestre de 2025, a evasão fiscal provocada por essas atividades gerou uma perda estimada entre R$ 1,8 bilhão e R$ 2,7 bilhões em arrecadação.

Além do impacto nas contas públicas, a pesquisa revela o grau de vulnerabilidade dos usuários: 78% dizem ter dificuldade em identificar quais sites são legais e quase metade já realizou depósitos em plataformas fraudulentas. As casas autorizadas pelo governo defendem ações mais rígidas contra operadores clandestinos como prioridade para o setor.

Ao final, Bernardo também critica a forma como as propostas foram construídas. Segundo ele, a sugestão da Confederação Nacional da Indústria não teria sido debatida com o mercado nem sustentada por estudos técnicos aprofundados, o que, na visão do advogado, aumenta a insegurança e pode comprometer a eficácia das medidas.

O avanço das discussões no Congresso coloca em xeque o futuro do mercado regulado de apostas no Brasil e reacende o debate sobre o equilíbrio entre arrecadação, controle estatal e combate à ilegalidade. A grande dúvida agora é se o aumento da carga tributária fortalecerá o sistema formal ou empurrará ainda mais apostadores para a clandestinidade.

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