Campanha contra bets gera desconforto e expõe descompasso entre Planalto e Ministério da Fazenda
O lançamento da campanha “Livre das Bets com um clique”, divulgado nas redes sociais do governo federal na última semana, expôs um descompasso entre o Palácio do Planalto e o Ministério da Fazenda e gerou constrangimento interno, segundo apuração da Coluna do Estadão. Representantes da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), vinculada à pasta comandada pelo ministro Fernando Haddad, foram surpreendidos tanto pelo momento da publicação quanto pelo tom adotado nas peças de comunicação.
A campanha foi lançada justamente quando representantes das casas de apostas regulamentadas estavam em Brasília participando do 1º Encontro Presencial sobre Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo. O evento foi organizado pela própria Fazenda com o objetivo de alinhar operadores e poder público e fortalecer o setor de apostas regulamentado no país.
Nos bastidores, a coincidência de agendas causou incômodo. Enquanto a equipe econômica buscava consolidar um ambiente de cooperação com as empresas autorizadas, a campanha do governo foi interpretada pelo mercado como proibicionista e hostil ao setor regulado. As peças publicitárias incentivam o bloqueio total do acesso a sites de apostas, inclusive os que operam dentro das regras estabelecidas pelo próprio governo.
O episódio ocorre em meio a um embate mais amplo entre o governo Lula e o setor de apostas. Inicialmente, a atuação do Executivo concentrou-se na regulamentação da atividade e na cobrança de impostos, sem avançar em políticas públicas de prevenção ao vício em jogos. Após a repercussão negativa e o aumento das críticas sobre os impactos sociais das bets, o Planalto passou a adotar uma estratégia mais incisiva de comunicação voltada ao combate à prática.
A campanha promove a nova plataforma de autoexclusão, anunciada no início de dezembro, que permite ao usuário bloquear voluntariamente o acesso a sites de apostas autorizados. A ferramenta também reúne informações sobre pontos de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) para pessoas que enfrentam problemas relacionados ao jogo.
Além disso, a plataforma oferece um autoteste de saúde mental. De acordo com o Ministério da Saúde, o teste não tem caráter diagnóstico, servindo apenas como instrumento de apoio para orientar o usuário sobre a necessidade de procurar atendimento profissional. O sistema também disponibiliza materiais informativos sobre jogos e apostas, além de orientações sobre como buscar ajuda na rede pública de saúde.
Como parte das ações anunciadas, o governo prevê que, a partir de fevereiro de 2026, a rede pública de saúde passe a oferecer teleatendimentos específicos em saúde mental voltados a casos de dependência em jogos e apostas. O serviço será realizado em parceria com o Hospital Sírio-Libanês e terá previsão inicial de cerca de 450 atendimentos online por mês.
Apesar do reforço no discurso de combate aos danos causados pelas apostas, a forma e o momento da campanha evidenciaram divergências internas sobre a estratégia adotada. Enquanto o Ministério da Fazenda busca estruturar e legitimar o mercado regulado, a comunicação do Planalto sinaliza uma postura mais restritiva, abrindo espaço para críticas de falta de coordenação entre as áreas do próprio governo.



Publicar comentário