Explosão de casos de vício em apostas chega à Justiça do Trabalho e desafia empresas em 2025
Um levantamento do JOTA revelou oito decisões trabalhistas relacionadas ao vício em apostas online apenas em 2025. Sete delas envolvem demissões por justa causa cinco mantidas pelos tribunais. Os casos mostram como a popularização das bets e a ludopatia, reconhecida pela OMS, já produzem reflexos diretos no ambiente de trabalho e no Judiciário, com episódios que vão de furtos para sustentar o vício a uso indevido de equipamentos da empresa.
A popularização das apostas esportivas online começa a deixar marcas profundas no mundo do trabalho. Segundo levantamento realizado pelo JOTA, oito decisões relacionadas ao vício em bets foram registradas na Justiça do Trabalho brasileira em 2025, distribuídas pelos tribunais TRT2 (São Paulo), TRT4 (Rio Grande do Sul), TRT15 (interior de São Paulo) e TRT17 (Espírito Santo).
Desse total, sete processos discutem demissão por justa causa, sendo que cinco delas foram mantidas pelos magistrados.
O cenário está diretamente ligado à ludopatia, doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e identificada no Brasil pelos códigos CID 10-Z72.6 e CID 10-F63.0. O transtorno é caracterizado pelo desejo incontrolável de continuar jogando e já interfere de maneira evidente em relações trabalhistas por todo o país.
Segundo o JOTA, os reflexos dessa condição — somados ao crescimento acelerado das bets — resultaram em casos envolvendo desde furtos até queda drástica de produtividade. O TRT2, o maior tribunal trabalhista do país, concentrou metade dos processos mapeados, com quatro decisões, sendo que uma delas reverteu a dispensa.
Demissões por justa causa dominam os processos
A justa causa, prevista no artigo 482 da CLT, inclui a prática constante de jogos de azar como motivo para a dispensa imediata — situação que retira do trabalhador direitos como aviso prévio e multa de 40% sobre o FGTS.
Entre os sete casos analisados, cinco tiveram a demissão confirmada pelos tribunais. Em dois processos, porém, houve reversão, e um deles terminou com reintegração determinada pelo TRT17. Um trabalhador que alegou dispensa discriminatória, por sua vez, não conseguiu indenização.
O caso emblemático no Magazine Luiza
Um dos episódios mais marcantes ocorreu no Rio Grande do Sul: uma assistente de vendas do Magazine Luiza foi demitida por justa causa após furtar R$ 53.618 da empresa para apostar online.
Ao longo de cinco dias, ela aproveitou o acesso à tesouraria e ao fundo de troco para retirar valores. Confrontada com imagens das câmeras de segurança, admitiu o furto e revelou o motivo: o vício em apostas.
A funcionária disse que, ao perder dinheiro, passou a retirar quantias maiores na tentativa desesperada de devolver o que havia pego — algo que nunca aconteceu. Duas semanas depois, após auditoria interna, foi dispensada.
O juiz Celso Fernando Karsburg, da 1ª Vara do Trabalho de Santa Cruz do Sul, manteve a justa causa e determinou o ressarcimento integral dos danos, afirmando que houve “quebra da confiança necessária” para continuidade do vínculo. O argumento de perdão tácito foi rejeitado, já que a decisão só teria sido tomada após a auditoria.
Outros julgamentos pelo país
No TRT2, outro caso envolveu uma supervisora que induziu subordinados a apostar durante o expediente. A 12ª Turma manteve a demissão por entender que a confiança foi completamente destruída.
Também em São Paulo, um funcionário de contabilidade teve a penalidade confirmada depois de testemunhas relatarem que ele passava o expediente jogando “roletinha”, “tigrinho” e apostas esportivas.
No TRT15, um motoboy de farmácia teve sua demissão mantida por não prestar contas de trocos, mas a empresa foi condenada a R$ 2 mil por acusá-lo de apostar sem provas.
Em São Paulo, o TRT2 reverteu a punição aplicada a uma funcionária que havia pedido demissão antes de ser acusada de praticar jogos de azar no trabalho. O tribunal concluiu que ela não poderia ser demitida por justa causa após já ter iniciado o processo de saída.
No Espírito Santo, o TRT17 determinou a reintegração posteriormente convertida em acordo de R$ 40 mil de um empregado demitido após internação psiquiátrica. O juiz entendeu que não houve tempo para o tratamento surtir efeito antes da dispensa.
Especialistas ressaltam que a justa causa exige requisitos como imediatidade, proporcionalidade e gravidade comprovada. A apropriação de valores, uso reiterado de equipamentos da empresa para jogar e atos que violem a boa-fé têm sido reconhecidos como motivos legítimos para a penalidade.
A jurisprudência, segundo advogados ouvidos, tende a validar a justa causa quando a conduta está bem documentada. Contudo, empresas podem ser responsabilizadas se contribuírem para um ambiente que favoreça comportamentos nocivos ou negligenciarem políticas internas claras.
Com a explosão das apostas online e o aumento de casos ligados à ludopatia, uma pergunta se impõe: até onde o vício em bets vai remodelar relações de trabalho no Brasil — e como empresas e Justiça vão responder a esse novo desafio? O cenário de 2025 parece ser apenas o começo de um debate que ainda promete crescer.



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