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Federalismo em jogo: a disputa que ameaça o futuro das apostas on-line no Brasil

A explosão do mercado de apostas digitais reacendeu uma velha discussão do direito constitucional: até onde vai o poder dos Estados frente à União? A batalha por licenças e arrecadação revela um cenário de desequilíbrio regulatório que pode comprometer a segurança do setor e expor apostadores a riscos crescentes.

O conceito de federalismo, tema recorrente nas aulas de direito, voltou ao centro das atenções — agora com cifras bilionárias em jogo. Se nos Estados Unidos o federalismo nasceu da união entre estados independentes, no Brasil o processo foi inverso: nascemos como uma unidade centralizada, e apenas depois tentamos distribuir poder. Esse modelo “centrífugo”, em que a força tende a se espalhar do centro para as bordas, explica boa parte da confusão atual no mercado de apostas esportivas on-line.

Desde 2023, com a criação da Lei 14.790, o governo federal buscou estabelecer um marco regulatório robusto. A licença da União, administrada pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), custa R$ 30 milhões e impõe uma alíquota de 12% sobre o faturamento bruto (GGR). Além do alto preço, traz exigências rígidas em áreas como compliance, combate à lavagem de dinheiro, jogo responsável e segurança de dados.

Mas a decisão do Supremo Tribunal Federal em 2020, que reconheceu a competência dos Estados para explorar serviços lotéricos, abriu um flanco inesperado. Estados como Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais criaram suas próprias licenças — bem mais baratas e flexíveis, com taxas de outorga na casa dos R$ 5 milhões e tributos de apenas 5% sobre a receita bruta.

A consequência é um cenário de “concorrência predatória”, segundo o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR). Operadores licenciados pelos Estados conseguem vantagens competitivas significativas, sem necessariamente cumprir as mesmas exigências de segurança impostas pelo governo federal. Em muitos casos, não há regras claras sobre reconhecimento facial, limites de tempo de jogo ou reserva financeira para pagamento de prêmios.

Essa assimetria preocupa especialistas, que alertam para riscos de lavagem de dinheiro, manipulação de resultados e exposição do jogador a ambientes menos seguros. E há um dilema técnico: como limitar o acesso de apostadores a plataformas de um Estado específico em um ambiente digital sem fronteiras? Essa é uma das principais justificativas para quem defende a exclusividade da União na regulamentação do setor.

A disputa ganhou novo fôlego em setembro de 2025, quando o STF voltou a se pronunciar. Na ADI 7640, a Corte declarou inconstitucionais trechos da Lei 14.790 que restringiam a atuação de grupos econômicos em mais de um Estado e a publicidade de loterias estaduais em todo o país. A decisão, unânime, reforçou a autonomia dos Estados e a livre iniciativa — mas também aprofundou o impasse jurídico.

O Brasil tenta se consolidar como um dos maiores mercados de apostas reguladas do mundo, mas a fragmentação das regras ameaça minar esse avanço. O federalismo “centrífugo” volta a mostrar sua força, espalhando incertezas entre operadores, governos e apostadores. A pergunta que paira é inevitável: conseguiremos harmonizar autonomia e segurança, ou o país caminhará para uma guerra regulatória que pode colocar em xeque o próprio futuro das bets?

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