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Regulação das apostas avança no Brasil, mas pressão por mais impostos ameaça consolidação do mercado

Quase um ano após a abertura oficial do mercado regulado de apostas no Brasil, o setor acumula bilhões em arrecadação, atraiu grandes players internacionais e promoveu a migração de milhões de usuários para ambientes legais e seguros. No entanto, propostas de aumento da tributação sobre operadores licenciados acendem um alerta: priorizar ganhos fiscais de curto prazo pode enfraquecer o mercado regulado e fortalecer a atuação de plataformas ilegais.

Em janeiro de 2025, o Brasil deu um passo decisivo ao estruturar formalmente o mercado de apostas, transformando um setor marcado por crescimento desordenado e pouco controle em um ambiente regulado, competitivo e alinhado a padrões internacionais. A regulamentação resultou em bilhões de reais arrecadados em impostos, entrada de operadores globais relevantes e ampliação do uso de meios de pagamento rastreáveis, como o Pix, além de regras mais rígidas de compliance e prevenção à lavagem de dinheiro.

Apesar dos avanços, o cenário ainda está longe de ser totalmente estável. Estimativas apontam que cerca de 51% da atividade de apostas no país permanece na ilegalidade. Ainda assim, parte do debate regulatório tem se concentrado em elevar a carga tributária sobre o setor já licenciado, com propostas que aumentam a alíquota sobre a Receita Bruta de Jogos (GGR) dos atuais 12% para até 18%.

Até agora, o modelo vigente já garantiu aproximadamente R$ 7,9 bilhões em arrecadação. Embora expressivo, esse resultado não elimina o risco de efeitos colaterais caso novas elevações tributárias sejam implementadas sem uma estratégia paralela de combate ao mercado ilegal. Especialistas do setor alertam que o foco excessivo na arrecadação imediata pode comprometer a consolidação de um ecossistema sustentável no longo prazo.

A principal preocupação é que impostos mais altos reduzam a competitividade dos operadores regulados, que já investiram volumes significativos em tecnologia, infraestrutura, compliance e sistemas de pagamento. Esses custos não existem no mercado clandestino. Com margens pressionadas, empresas licenciadas tendem a desacelerar investimentos, crescimento e inovação, o que pode resultar, paradoxalmente, em menor arrecadação futura para o próprio Estado.

Outro risco apontado é o estímulo indireto à migração de apostadores para plataformas ilegais. Sites não licenciados costumam oferecer odds mais agressivas, menos custos para o usuário e ausência total de supervisão. Para apostadores mais sensíveis a preço, a diferença de custos pode ser determinante, ampliando o fluxo de recursos para operadores fora da lei, frequentemente associados a esquemas de lavagem de dinheiro e financiamento de organizações criminosas.

O último ano demonstrou que a regulação funciona quando aplicada de forma consistente. O setor regulado adotou processos rigorosos de identificação de clientes (KYC) e prevenção à lavagem de dinheiro, apoiados pela rastreabilidade em tempo real das transações via Pix. Paralelamente, o poder público já promoveu o bloqueio de milhares de sites ilegais, sinalizando capacidade operacional e disposição para fiscalização.

Nesse contexto, a consolidação do mercado depende menos de novos tributos e mais de uma atuação coordenada entre governo, operadores e provedores de pagamento. O intercâmbio de informações, o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e a proteção ao consumidor são apontados como pilares essenciais para reduzir o espaço do mercado clandestino e ampliar a base regulada.

O debate sobre o futuro das apostas no Brasil coloca os legisladores diante de uma escolha estratégica. De um lado, a possibilidade de consolidar um mercado estável, competitivo e capaz de gerar empregos, investimentos e receita fiscal previsível no longo prazo. De outro, a tentação de ampliar a arrecadação imediata, com o risco de enfraquecer o setor regulado e favorecer operadores ilegais.

Após avanços significativos em apenas 12 meses, o consenso entre especialistas é que o momento exige estabilidade regulatória. Antes de aumentar o custo para quem já cumpre as regras, o país precisa concluir a agenda de consolidação, intensificar a fiscalização e promover a migração definitiva dos jogadores para um ecossistema licenciado, transparente e seguro. Tratar o progresso recente como garantido pode ser um erro estratégico com impactos duradouros.

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